terça-feira, 20 de março de 2007

Castells, os desafios da Sociedade em Rede - Conclusão

Vivemos em tempos de mudança, onde o processo evolutivo da Sociedade, a todos os níveis, tem sido uma constante, principalmente devido à eclosão e progresso das novas tecnologias. Neste panorama, as transformações sociais contemporâneas estão em grande medida relacionadas com a revolução tecnológica em curso, sendo que, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm tido um papel fundamental na ocorrência de modificações económicas, sociais e organizacionais, visíveis em novos modos de aprender e de comunicar, de produzir, de distribuir e de consumir bens e serviços.
A integração em redes, sejam elas sociais, tecnológicas, de investigação ou de produção, parece ser outra das consequências deste "ambiente" que estimula a aproximação entre empresas, cidades, organizações e indivíduos. Porém, há algo que está no centro de todas estas transformações ocorridas e cujo papel tem sido absolutamente fulcral nas respectivas alterações manifestadas. Falamos naturalmente daquilo a que Manuel Castells designa de novo ambiente de comunicação, ou seja, a Galáxia Internet.
A comunicação constitui-se indubitavelmente como a essência da actividade humana. Como tal, qualquer mudança ocorrida neste sector reflecte-se em todos os outros campos da Sociedade hodierna. A “sociedade em rede” é um paradigma do que atrás foi afirmado, sendo que o seu surgimento veio alterar completamente a realidade vigente, formando assim uma nova estrutura social. Em virtude disso, surgem as habituais indagações, inerentes às grandes alterações estruturais, que por sua vez se traduzem num dilema entre as oportunidades e desafios que daí podem advir.
Castells é bastante objectivo ao afirmar que a Internet é uma “tecnologia da liberdade”, sendo contudo, uma terrível arma de opressão aos desinformados, isto é, para aqueles que não têm acesso à Internet ou simplesmente não possuem os meios necessários (físicos e/ou intelectuais) para usufruírem correctamente desta tecnologia. Segundo o autor, as desigualdades existentes a este nível, tal como acontece nos demais sectores da Sociedade Humana, são deveras patentes, mas igualmente combatíveis. Posto isto, há que conjugar esforços, de forma individual e colectiva, afim de que o aproveitamento da Internet possa ser extensível a toda a população e consequentemente se crie uma Sociedade melhor. Para isso, é necessário centrar a nossa acção no campo específico em que vivemos, ou seja, na Sociedade oriunda das redes de comunicação da Internet.
As crescentes transformações sociais, concernentes ao processo de evolução das novas tecnologias, têm levantado inúmeras inquietações relativamente aos efeitos nefastos que tal processo pode originar. Em função disso, geram-se em algumas fracções da Sociedade, posições reaccionárias quanto ao caminho percorrido pela humanidade na descoberta de novas potencialidade tecnológicas. Tais receios são muitas vezes expressos de forma colectiva, nomeadamente através de protestos públicos contra a globalização, que na opinião destes, está na génese dos problemas que se observam a nível mundial. Manuel Castells considera essencial o pensamento construtivo, em oposição à radicalização. Segundo o autor, “tais protestos representam, principalmente, o ponto de vista de uma minoria activa e incluem grupos de interesse com uma visão muito limitada do mundo, por exemplo, os defensores do proteccionismo dos países ricos que pretendem conservar os privilégios perante a concorrência do mundo em vias de desenvolvimento”. Apesar de tais movimentos, Castells não descura a necessidade de se debater de forma profunda o tema da globalização, conferindo toda a legitimidade às questões e problemas que são levantados e equacionados na opinião pública.
A vertente radical é apenas a face visível deste processo reaccionário que se manifesta contra o avanço desmedido das novas tecnologias, especialmente da Internet, que tem irrompido de forma avassaladora pela sociedade actual. Sendo assim, questões fulcrais tais como o emprego, educação, protecção social entre outras, têm estado na mira das inquietudes expressas, ainda que de forma menos veemente, por grande parte dos cidadãos desta “aldeia global”. A degradação ambiental, a redução esmagadora dos postos de trabalho, o crescimento da pobreza em alguns pontos do globo e o consequente aumento das desigualdades têm, de certa maneira, justificado tais receios. Contudo, um outro factor, não tão visível, mas igualmente assinalável, é o sentimento de impotência respeitante ao controlo das nossas próprias vidas. A contínua inovação leva-nos à impossibilidade de vislumbrar o futuro e tampouco tecer previsões quanto ao rumo que a Sociedade poderá tomar a médio e longo prazo. Portanto, não há dúvida que a ideia de prosperidade, muitas vezes associada ao conceito de progresso, encontra-se fortemente condicionada pelo factor de imprevisibilidade, que por sua vez é característico a um tempo de mudança, onde o amanhã é somente mais uma etapa em direcção a uma meta desconhecida.
O cepticismo sentido ainda relativamente aos benefícios de uma sociedade global alicerçada no poder comunicacional da Internet deve-se, em grande parte, aos notáveis desafios que tal concretização acarreta. O primeiro obstáculo que podemos identificar encontra-se relacionado com a apropriação das infra-estruturas de rede por parte de entidades privadas, revestidas de interesses políticos e económicos que tendem a monopolizar e manipular o acesso das massas à Internet, tornando o afamado direito à liberdade de informação e expressão individual numa elaborada ratoeira de conteúdos previa e calculistamente seleccionados.Esta grave condicionante delimita de forma inconsciente as inúmeras potencialidades que a livre transacção de conhecimentos a nível internacional poderia oferecer, tomando como exemplo o combate das grandes assimetrias cada vez mais sentidas entre sociedades desenvolvidas e em vias de tal. Por outro lado, e no extremo oposto, encontra-se o desafio referente à info-exclusão.
Numa era ditada pelos cânones comunicacionais, onde todos os aspectos referentes à concretização humana se encontram intimamente ligados e dependentes do acesso à informação digital, aqueles que por motivos como a insuficiência de infra-estruturas tecnológicas locais, dificuldades financeiras na aquisição dos serviços ou escassas capacidades habilitacionais e culturais na utilização autónoma da Internet, encontram-se condenados à ignorância e ivolução, perdendo a vertiginosa viagem rumo à era da informatização da civilização contemporânea.
Podemos identificar ainda uma terceira problemática referente ao progresso tecnológico impulsionado pela comunicação em rede, sendo ela, precisamente, a crescente e urgente necessidade de implementação de disciplinas criadoras de conhecimentos e aptidões relativas ao universo cibernético nas escolas, desde a mais tenra idade, de forma a proporcionar e desenvolver não só nas crianças, mas em toda a população, capacidades que permitam utilizar, reconhecer e descodificar a importância e potencialidades da Internet, através de uma linha pedagógica assente na interactividade e no estímulo da afirmação individual através da reconstrução inteligente dos inúmeros dados obtidos digitalmente.
Também as inúmeras entidades patronais, dirigentes de empresas e outras actividades ou instituições fornecedoras de emprego, apoiam-se, hoje em dia, cada vez mais, nos benefícios das novas economias baseadas no sistema informático em rede, levantando morosas questões referentes ao sistema de relações laborais, paz, segurança e solidariedade social, competitividade individual, que terão de ser, de forma progressiva e acompanhada, redefinidas neste novo contexto socio-económico, pró-internet.
Estes obstáculos preconizam a necessidade de novas formas de benefícios e contratos sociais, assim como a re-ajustução de modelos puramente liberais de auto-emprego individual que deverão pressupor o aparecimento conjunto de novas formas institucionais de segurança social, mantendo assim o equilíbrio e prosperidade económicos.
A regulação institucional dos mercados financeiros, erigidos em redes globais informatizadas, baseada e supervisionada por leis constitucionais, assentes na autoridade do Estado democrático, demonstra-se obrigatória, ainda que aliada a novos procedimentos, assentes na flexibilidade e inovação, de forma a prevenir o caos económico e as crises e lutas sociais emergentes das graves, mas possíveis, recessões económicas.
O receio/resistência à mudança sempre existiu na experiência humana. Quanto à insatisfação perante uma sociedade de rede, esta deve-se aos desafios ou problemas por esta levantados.
O primeiro dos desafios prende-se com a liberdade possível na Internet. Se por um lado esta é um meio, por excelência, de comunicação livre, na medida em que não está sujeita a censura, por outro, esta pode ainda ser propriedade privada, controlada e influenciada por interesses de ordem comercial, ideológica e até mesmo política.
Oposto à liberdade, encontra-se o problema da exclusão. Numa sociedade onde a importância da Internet e do estar ligado à rede é cada vez maior, os indivíduos que não tenham acesso a esta podem ser, de alguma forma, excluídos. O normal e quase obrigatório é estar ligado, é fazer parte desta rede gigantesca que se alarga a cada dia que passa. Mas estar pura e simplesmente ligado não é garantia de inclusão, de fazer parte, pois a boa utilização e a capacidade educativa e cultural também são imprescindíveis.
Outro desafio é a integração da capacidade de processamento da informação e geração de conhecimentos em cada indivíduo, dando especial atenção às crianças. É importante não só alfabetizar os utilizadores, como também educá-los, para que estes possam não só adquirir vastos conhecimentos, mas ainda utilizá-los para a produção de outros mais. Esta “educação” seria possível através de uma reestruturação no sistema educativo, que tenha como prioridade uma nova pedagogia assente na interactividade, na personalização e no desenvolvimento da capacidade de aprender e pensar de forma autónoma.
Também as relações laborais se vêm abaladas pelo aparecimento da empresa em rede e a individualização dos modelos de emprego.
As empresas embora sejam os principais criadores de riquezas não são alvo da confiança por parte das pessoas. Embora estas se empenhem cada vez mais no seu papel social não são quem deve resolver os nossos problemas.
As ONG são uma forma de agregação dinâmica de interesses sociais. São vistas pelo autor do texto como organizações neo-governamentais mais do que organizações não-governamentais pois muitas vezes de forma directa ou indirecta estão ligadas aos governos. As ONG fazem parte do Estado-rede emergente devido á sua abrangência institucional e aos apoios políticos que recebem mas não expressam o conceito de bem comum nem surgem como entidade reguladora da sociedade em rede.
Para que a sociedade possa controlar a criatividade tecnológica é necessário que todos nós nos responsabilizemos por aquilo que fazemos e por tudo aquilo que se passa á nossa volta.
Só através de uma reorganização politica que restaure a democracia como a conhecemos hoje, que actue na regeneração das nossas instituições politicas é que poderemos contornar as debilidades da sociedade em rede. Se isto não se verificar terá que partir de cada indivíduo a reestruturação das redes do nosso mundo através de cada projecto individual.
Não podemos escapar á importância que o papel da Internet tem na nossa sociedade. Para que não vivamos desfasados do que a sociedade tem para nos oferecer temos que lidar com a Internet. Afinal, vivemos na Galáxia Internet.

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